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27 de Abril de 2024

Polêmica: a locadora no AIRBNB poderia assistir as câmeras de vigilância enquanto o imóvel estava locado para a festinha do Felipe?

O caso de Felipe e Verônica noticiado no site Catraca livre no dia 14/04/2021 deve ser analisado sob a ótica da privacidade

Publicado por Paloma Fiama
há 3 anos

No dia 14/04/2021 o Twitter foi agitado com piadas, charges, "memes" e alusões aos áudios vazados de conversas entre Felipe e Verônica sobre o uso (ou mau uso) da locação de uma casa através do site AIRBNB.

O site Catraca Livre (https://catracalivre.com.br/entretenimento/orgia-de-felipeeamigos-em-casa-do-airbnb-viralizaemem...) explicou o caso para os internautas que não entenderam todo o caso. Em paralelo, foi publicado no canal TVJC no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=tD9eEqZilR0) alguns áudios de conversas que seriam do Felipe e da Verônica.

Polêmicas à parte sobre os atos praticados por Felipe e amigos na festinha (se orgia ou não) o caso merece uma atenção especial: a locadora afirma que "viu tudo" o que estava acontecendo dentro do seu imóvel pelas câmeras de segurança durante o período de aluguel. E mais: a locadora ainda afirma "você usou todas as camas" o que se entende (ao menos por ouvir os áudios no YouTube) existir câmeras de vigilância dentro dos quartos da casa.

A informação passada pela locadora do imóvel cadastrada no AIRBNB é aterrorizante, assustadora e levanta dúvidas: posso ser filmado durante a locação de um imóvel ou quarto de hotel? Caso seja informado previamente da gravação, posso negar?

Antes de tudo, ao consultar a página do AIRBNB vemos que antes de confirmar o agendamento da estadia o site informa que ao clicar no botão "CONFIRMAR" o hóspede está de acordo com as "Regras da casa" além da "divulgações de segurança", "política de privacidade", "política de cancelamento" dentre outros termos.

Cada anfitrião em "regras da casa" informa as limitações do hóspede dentro do imóvel do anfitrião como o número máximo de hóspedes, não fumar ou não aceitar animais de estimação. O hóspede quando confirma a estadia concorda com todas as regras do anfitrião e também as regras gerais do site AIRBNB.

Mas a pergunta é: posso ser filmado dentro do imóvel durante minha estadia? A resposta é não!

O hóspede ao acessar o site do AIRBNB e reservar a estadia realiza a reserva de uma locação por temporada e por isso as regras que devem reger a relação será da lei do inquilinato (Lei 8.245/1991).

Quando as chaves do imóvel são entregues ao hóspede o locador entrega a posse direta do imóvel, se torna um "morador temporário" e a partir daquele momento o proprietário do imóvel (locador) não pode entrar no imóvel sem autorização do hóspede.

O imóvel residencial, mesmo alugado, é inviolável segundo a Constituição da República. Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;


As únicas permissões de entrar em um imóvel sem consentimento é em caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro ou por determinação judicial durante o dia.

Na lei do inquilinato aplicável as locações por temporada, no Artigo 23, inciso IX, determina que o locador caso precise fazer uma vistoria no imóvel, ou seja, caso deseje entrar no imóvel, o hóspede precisa combinar com o anfitrião o dia e hora da visita, ou seja, o anfitrião não pode chegar "de surpresa".

A obrigação de "combinar" dia e horário para o anfitrião entrar no imóvel é devida ao exercício da posse direta pelo hóspede durante a locação incidente na regra do artigo 1.197 do Código Civil, na qual o possuidor direto pode proteger sua posse, além de constituir sua moradia temporária de acordo com o artigo 5º, XI, da CRF/88.

Mas o caso do Felipe e da Verônica foi além: Verônica não pediu para entrar no imóvel, ela "entrou" de forma virtual na residência do qual o Felipe estava como possuidor direto durante a temporada. Com fundamento na lei do inquilinato, a locadora não poderia "assistir" o hóspede pelas câmeras de vigilância.

As câmeras de vigilância são, de fato, para vigiar e prevenir ou mesmo registrar, o cometimento de crime e destinam-se para a segurança de pessoas e coisas.

No entanto, as câmeras de vigilância caso estejam monitorando em tempo real os hóspedes dentro do imóvel é um verdadeiro ataque à posse e a privacidade das pessoas que estão utilizando o imóvel. A vida privada, a intimidade e a imagem dos hóspedes são invioláveis de acordo com a Constituição da República e caso haja uma violação é assegurado o direito de indenização.

O monitoramento de pessoas para finalidade diversa da segurança patrimonial e de maneira indiscriminada fere a intimidade e o direito de imagem. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região julgou uma ação civil pública ( RO 0020649-28.2016.5.04.0021) ajuizada pelo Ministério público do trabalho para que uma empresa privada deixe de captar imagens e monitorar seus funcionários em todos os postos de trabalho.

Os direitos de privacidade e imagem dos funcionários entraram em conflito com o direito de propriedade e o direito de direção da atividade econômica de produção. No acórdão os desembargadores entenderam:


[...] o choque entre princípios deve ser resolvido proporcionalmente à importância dos valores colocados em discussão, em que, no presente caso, estão assentados entre o direito à privacidade e imagem dos empregados e o direito à propriedade e diretivo da atividade econômica conduzida pelo empresário. Diga-se, por fim, que não se pode esquecer que o direito à propriedade deve cumprir sempre a sua função social. [...]
Não há dúvida que a Reclamada possui o direito de adotar medidas que visem a proteção do seu patrimônio, principalmente com o aumento notório da violência, contudo, deve sempre buscar a preservação dos direitos que são tão caros aos indivíduos, como a sua imagem e privacidade, e escolher métodos e sistemas que sejam menos agressivos aos sujeitos expostos a esse controle. Dessa forma, vinculando o objetivo da utilização das câmeras de vigilância à melhor conservação do seu patrimônio e aumento da segurança, não há como permitir que, de qualquer forma e sob qualquer pretexto ou intensidade, seja o trabalhador invadido em sua privacidade e utilizada a sua imagem à revelia da sua vontade e autorização. Ademais, a confiança é uma via de mão dupla, não havendo como entender-se como aceitável a monitoração, ainda que intermitente, da execução das atividades produtivas dos empregados. [...]


No caso acima a empresa tem o direito de fiscalizar a atividade desenvolvida por seus funcionários porém este direito de controle e direção dos funcionários não pode invadir a privacidade e a imagem dos funcionários.

O caso de Felipe e Verônica noticiado, o direito a imagem (leia-se: direito de não ser gravado sem prévia autorização), vida privada, intimidade e posse entraram em conflito com o direito de propriedade.

No caso dos anfitriões e hóspedes (no AIRBNB ou qualquer outro intermediador de locação por temporada) não existe sequer o direito a fiscalização e controle das atividades desenvolvidas pelo hóspede pois o hóspede figura naquele momento (para o direito) como morador daquele imóvel e detentor da posse direta, possuindo direito de privacidade, intimidade e direito de imagem.

Caso o hóspede não siga as regras do anfitrião na residência, poderá o hóspede ser obrigado a ressarcir eventuais danos causado no imóvel, como também sofrer penalidades por desrespeito às regras após a entrega das chaves ao anfitrião. Em todos os casos, inexiste direito de propriedade (ou se segurança) para captar imagens e vigiar os hóspedes durante o período de aluguel por temporada.






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